sexta-feira, 25 de julho de 2008

Acerca da Generosidade: Pulsões de vida e de morte*

Antes de sermos humanos, somos animais-humanos, o que torna a nossa natureza psicossomática. Todos nós trazemos em nossa bagagem aspectos herdados e adquiridos. O leitor pode estar se perguntando: como nasce a generosidade humana? É herdada ? Adquirida na convivência das primeiras relações com os nossos pais? Freud e seus seguidores são unânimes em afirmar que trazemos em nós aquilo que a psicanálise chama de pulsões de vida e de morte, ou, em outras palavras, vida e destrutividade, amor e ódio, criação e destruição, gerar e abortar.
No que toca ao nosso tema de hoje a ênfase é na vida, na capacidade de amar e na disponibilidade de se dar.
Generosidade é dar, é dividir com outra pessoa o que se tem, tanto um bem físico, como uma qualidade psíquica. Mas, convenhamos, dar não é um ato fácil e não está no coração de todas as pessoas. Imaginem alguém voraz, alguém que, por mais que tenha recebido, ainda se ache vazio e às vezes interpreta que os outros têm mais do que ele.
Essa pessoa não pode dividir, não desenvolve generosidade, pois, nesse caso, dar significa subtrair, ficar com menos, perder. No ambiente da doação não existem cálculos. Dar a alguém é um ato espontâneo, sem espera de retorno, sem cálculos de aplicações, é um ato de amorosidade e não de pagamento de dívida ou culpa.
Os fatores que apontam para o desenvolvimento da generosidade são dependentes de como se estabelecem as primeiras relações. Quando alguém nasce, já nasce de uma relação pré-existente e daí se infere que, antes de mim, alguém já dividia com um outro. Essa dinâmica complicada de conviver a três traz questões importantes no sentido de como interagem os personagens e como é o “balanceamento” dos sentimentos de ciúme, inveja e competição.
Quando se tem irmãos, a questão se avoluma de complexidade e por aí vai. Afinal, somos ou não seres gregários, sociais, e portanto destinados a viver entre pessoas? Dessas relações afetivas construírmos o sentimento de amar e ser amado, assim como a nossa auto-estima. A capacidade de dividir com outrem, a capacidade de tirar de si para compartilhar trata de um tema interessante, que é a passagem da atitude puramente narcisista para uma atitude de investir amorosamente na parceria.
Em seu profundo artigo “Introdução ao Narcisismo”, Freud nos ensina que uma parte do nosso amor por nós mesmos é destacada e investida na outra pessoa, transformando desse modo a relação narcísica em relação com o semelhante. A socialização começa aí. E junto dela a capacidade de viver em parceria e fazer trocas, materiais e afetivas.
Hoje se fala demasiado em uma "Cultura do Narcisismo", onde a tônica é o individualismo, o uso dos outros em benefício próprio, ou seja, uma cultura contrária a tudo aquilo que signifique trocar, doar, dividir.
No plano macroscópico vivemos e sentimos na pele as conseqüências de políticas governamentais que priorizam não a distribuição da riqueza, da educação e da saúde, mas o engordar de contas bancárias de alguns (políticos, empresários e instituições) sem nenhuma intenção de benifício social.
Somente aquele que pode ser grato e reconhecedor do que recebeu dos seus pais (se eles deram, é claro) é capaz de desenvolver a generosidade.

* Por Carlos de Almeida Vieira, médico, psicanalista, membro da Sociedade de Psicanálise de Brasília e da Associação Internacional de Psicanálise, em Londres.

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